domingo, 30 de dezembro de 2012

Dia 30/12/2012 - Era para ser um mero deslocamento, mas não foi. (De Ouro Preto ao Nepal)

A programação para aquele dia era apenas o deslocamento de La Quiaca (última cidade argentina na divisa com a Bolívia) até Humahaca, ainda nos Andes, mas rumo a descida para San Salvador de Jujuy, um trajeto de apenas 160 km, todo por asfalto. Era para ser isto, e justamente por este motivo é que ninguém estava preocupado com o horário de saída, o que já era normal, então tive todo o tempo do mundo para arrumar a minha bagagem.



Com muita calma, coloquei a Suzi mais perto da porta de acesso ao corredor dos quartos, verifiquei o nível do óleo, lubrifiquei a corrente e ainda conversei bastante com o pessoal do hotel que passando por ali, me perguntavam de onde vínhamos, para onde íamos etc. Todos muito interessados e sorridentes!  Claro que eu também aproveitei para dar uma olhada mais cuidadosa nas BMW GS 1200 que estavam ali e vi que, até uma antena para localização por satélite cada uma tinha. Os acessórios da Touratech são de primeira, por isto são caríssimos, mas para quem vai rodar o mundo de BMW, isto é só mais um detalhe.

Foi aí que os três senhores, proprietários das motos apareceram, e começaram a conversar comigo, pois na noite anterior quando chegamos eles já estavam lá e falaram conosco, mais com o Zeca, pois eu estava morto de cansado e queria mais era estacionar a moto. Bem, eles me contaram então que estavam na estrada desde 2009!  Isto mesmo, pois estavam dando a volta ao mundo. Claro que com patrocínio, e claro com grana, pois eram do Kwait (sabe petróleo $$$).  Não perguntei o que faziam, mas soube que tinham patrocínio. A viagem estava programada para terminar no Ushuaia (extremo sul da América do Sul) literalmente no fim do mundo. Mas houve um contratempo, pois um deles estava com um braço enfaixado, resultado da queda da moto quando a manobrava no pátio de um hotel em Potosi. Segundo ele, a moto estava desligada e ele a manobrava e tentou segurá-la quando esta tombou. Resultado, braço enfaixado e sem condições de pilotagem por uns 20 dias. Então, desde Potosi a moto dele vinha viajando de caminhão, que era boliviano, mas eles tiveram que contratar outro argentino para continuar levando a moto até Buenos Aires. De lá tanto ele como a moto, seguiriam de avião para casa, pois a expedição havia terminado para ele, mas seus dois companheiros seguiriam de moto até Ushuaia, completando assim a volta ao mundo. Ele me disse que mesmo que o braço melhorasse, o dinheiro gasto com os caminhões não permitia que ele seguisse até o final da expedição. Me explicaram tudo isto em um inglês com bastante sotaque, mas seguramente melhor que o meu...  Mas me contaram muito mais, conversamos por uma hora aproximadamente.

O nome da expedição deles era "Our Shared Planet Motorcycle Adventures", e para quem quiser ver algo sobre uma viagem de gente grande, acesse www.ospkw.com  Por enquanto vamos descrevendo aqui o nosso "singelo rolêzinho".


Da esq. para dir. Ali (o mais comunicativo) , Muhanad o quietão e à dir. Hussain (que estava com o braço enfaixado)
Tive tempo para amarrar minha bagagem, bem amarrada, por sinal, depois fui tomar café, nisto o Magá e o Zeca apareceram e tomaram café também. O garçom, gostava de motos e queria conhecer o Brasil, pediu para que nós colássemos um adesivo da expedição no vidro de uma das portas internas do hotel, o que fizemos deixando-o com muitos outros adesivos que já estavam lá.  Depois demos mais alguns para outros funcionários que nos pediram. Depois disto, ainda tive mais um bom tempo de conversa com os Kwatianos, que me contaram muitas histórias sobre a viagem deles, sobre a China, o Tibet e claro a África.  Me deram de presente um DVD sobre a expedição, com fotos, vídeos e um aplicativo que mostrava em tempo real onde eles estavam, pela localização das antenas instaladas nas motos, olha o nível da coisa!

Na hora de pagarmos o hotel, descobrimos que eles trocavam bolivianos por um bom preço, então juntei tudo o que tinha sobrado, mais uns pesos argentinos e paguei o hotel, incluindo a janta da noite anterior. Não me preocupei, pois julgava que faríamos câmbio em Humahuaca tranquilamente.

Depois de ficar um tempo no saguão do hotel com o Magá, vendo anúncios de motos pela internet no celular dele, finalmente podíamos sair.  Mas quando fomos lá para o estacionamento, havia uma família, com um garotinho de uns 5 a 6 anos, que ficou olhando para o Magá assustado.  Ele com aquelas proteções para os cotovelos, joelhos, e tudo mais, todo de preto, parecia um super-herói, ou super-vilão, por isto o garotinho ficou com medo dele, que, mesmo assim, tentou uma aproximação com o garoto, mas sem sucesso.  Os Kwaitianos já haviam colocado a moto sobre o caminhão e partiram, duas motos seguindo um caminhão, com uma terceira em cima.

Claro que não foi fácil sairmos, pois erramos o caminho umas duas vezes, isto porque havíamos decidido ir visitar Yavi, que era perto e todo mundo dizia que não podíamos perder, bem como havia também a recomendação para visitarmos Iruya, que nem sabíamos onde ficava, mas como nos garantiram que Yavi era perto, decidimos por esta.

Acabamos dando uma volta e passando por cima das pontes que passam sobre a Av. Internacional, pois por lá seguiam caminhões, então eu disse que por ali deveria dar na saída da cidade, de fato era a Av. Circunvalación, que circundava a cidade e conectava-se à Av. España, depois às rutas 9 e 5. Assim demos uma volta, mas paramos de bater cabeça.   A ruta 5 também é onde há o acesso para o aeroporto de La Quiaca, após cruzarmos por uma ponte de concreto, começa uma subida onde há um conjunto habitacional, com casas, todas iguais dos dois lados da via, por isto há uma restrição de velocidade, claro que fiquei de olho, pois não queria dar motivos para a polícia argentina morder mais. No alto da subida está o acesso ao aeroporto à direita e uma forte curva à esquerda que nos leva a um ponto alto, de onde se avista no leste a Cuesta de Nazareno, branquinha coberta de neve. É a última formação Andina no leste, seu ponto mais alto esta acima de 5000 m de altitude.  Do lado de lá desta cadeia, que no oeste é arida, está o verde da baixada leste Andina e depois o Chaco a apenas 300 m acima do nível do mar. É uma transição abrupta entre o deserto e o verde, mas os Andes são assim em quase toda sua extensão.  Claro que paramos para fotografar, e depois dali a estrada segue morro abaixo rumo a Quebrada de Yavi, passando por uma formação de pequenos serros que se chamam Ocho Hermanos, depois de umas curvas cruzamos a ponte do rio Yavi e já chegamos, de fato é bem perto, apenas 17 km de La Quiaca.


Cuesta de Nazareno, atrás dela está Iruya
Lá tem neve, mas aqui tá sol!
E ai Zeca?
Só pra registrar
Chegando a Yavi
Estávamos indo, mas o André voltou, pois assim era mais fotogênico
Bem na entrada do povoado há um posto de informações turísticas, nós paramos e eu fui lá, onde uma mulher jovem, muito simples e atenciosa me deu as informações necessárias, um pequeno mapa com os pontos de interesse. Eu lhe perguntei se pagava para visitar, ela disse que quem quisesse pagava por um folheto, apenas para ajudar. Então para ajudar eu comprei o folheto, algo como 12 pesos. Dei tchau para ela e para um garotinho de uns três anos, que pelo jeito era seu filho e brincava no chão.

Este negócio de expectativa é um problema, nos falaram tanto de Yavi que nos decepcionamos, pois lá há umas seis, sete ruas no máximo, e nada de interessante na principal delas, por onde cruzamos um argentino com uma moto pequena também olhando aqui e ali. Mas descendo à esquerda, chega-se a uma praça, onde está a igreja de Nuestra Senõra del Rosário y San Francisco de Asís, um museu e a Casa del Marquez.


O André e o passinho de biba


A igreja de Nuestra Señora del Rosário y San Francisco de Asís
O barroco com seus adornos folheados a ouro
Por fora a simplicidade espanhola da época
Jardins do pátio
Os adornos são barrocos, mas falta algo
Os altares lembram as igrejas de Ouro Preto, Mariana e Congonhas
O lugar é agradável, devido à sombra das árvores e ao ar calmo. Mas o negócio era o seguinte, ali foi uma vila Inca que depois foi colonizada pelos espanhóis, portanto há histórias de ambos, um muro Inca, pinturas rupestres, túmulos Inca no morro da quebrada e bem ali onde estávamos as construções espanholas que são contemporâneas das construções portuguesas no Brasil. A igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Francisco de Assis é de 1690.  Portanto aí está o que eles tanto admiram, pois a mesma tem o interior com adornos pintados em ouro, imagens barrocas etc. Sendo esta, segundo nos disseram, a única igreja do gênero ainda existente em toda a Argentina. Bem, o problema é que eles não conhecem, Ouro Preto, Mariana e Congonhas em Minas Gerais, nem ouviram falar no Aleijadinho, por isto eles dão tanto valor. A igreja por fora não tem a suntuosidade artística das igrejas históricas mineiras, por dentro até lembra alguma delas, mas para quem conhece as de Minas...    De qualquer maneira a visitamos e conversamos um pouco com uma moça que cuida do interior da igreja.   Depois saímos e andamos aqui e ali, mas não demoramos muito, pois nem o museu nos chamou a atenção, pois para quem conhece os museus da Inconfidência e de Mineralogia, ambos na praça Tiradentes em Ouro Preto, ali naquele não havia nada.  Neste ponto, os portugueses davam de dez a zero nos espanhóis, mas claro que devido à quantidade de ouro absurda que havia no Brasil daquela época.


Mas o conjunto é muito simples de comparados àquelas que temos em Minas Gerais

Não há afrescos


Influência Inca
Rua de Yavi
É calma, bucólica até


Cruz espanhola (foto Zeca)
Quanta gente já passou por esta porta? (foto Zeca)
O que eu estava vendo (foto Zeca)
O Zeca (foto Zeca)
Foto Zeca
Foto Zeca
O pátio da igreja
O museu (foto Zeca)
Foto Zeca
Saindo dali, uns 500 m rumo norte, está o Mirador da Quebrada de Yavi, que dá para uma parede bem alta e vertical com uns 6 a 7 metros de altura. Segundo as indicações, nesta parede lá embaixo, estava a entrada para a Cueva del Diablo, mas para irmos lá teríamos que descer a pé por uma longa trilha dentro da quebrada.  A 3500 m de altitude, não há ânimo para caminhadas, então ficamos um pouco ali e deixamos o diablo para lá.  Bem, eu não estava mesmo a fim de visitá-lo. Vamos embora gente, foi o que fizemos, pois o Magá pelo que me lembro estava com dor de cabeça.



Para lá o cemitério indígena (mas há um vale profundo no meio)
No mirador de Yavi
Vamos descer la na toca?   Nem a pau Juvenal
Foto Zeca
O Magá desanimado, com dor de cabeça (foto Zeca)
Foto Zeca
A quebrada de Yavi (foto Zeca)
Foto Zeca
A volta foi rápida, apenas tivemos cuidado com a curva lá no alto e a redução de velocidade no conjunto habitacional.  Para a ruta 9, tivemos que voltar até a Av. España e seguir sentido sul, onde a ruta 9 começa a cortar um imenso planalto, planalto este que em uma altitude média de 3550 m se estende por 100 km, passando por várias pequenas cidades. A primeira, Pumahuasi a 25 km, depois Puesto del Marquez a 50 km de La Quiaca. Este trecho percorrido por planícies com suaves ondulações, muitas lhamas em ambos os lados, mas quase o tempo todo havia cercas, pois são grandes propriedades, claro que uma ou outra estava do lado de fora da cerca, então atenção!   Outra coisa que requer atenção é a velocidade quando cruza-se estas pequenas cidades, pois há placas de 40 km/h e até semáforos. Não me lembro em qual delas havia um posto de controle policial, mas acho que estava fechado.  75 km após La Quiaca, está Abra Pampa, onde havia um posto de gasolina, mas não havia combustível, porém um garoto nos indicou um comedor (restaurante), pois era outra coisa que nos interessava.  Acho que foi na terceira ou quarta rua após o semáforo, que viramos à direita e no segundo quarteirão achamos um restaurante bem simples, me lembro que em frente havia uma escola.


Ruta 9 sentido sul (foto Zeca)
Claro que não havia sombra e o sol era ardido demais, então as motos ficaram na frente, ao sol mesmo. Uma senhora jovem nos atendeu, depois de muitas dúvidas, fizemos o pedido, sendo que o Magá pediu algo que não entendíamos exatamente o que era, mas quando veio adoramos. Era uma espécie de pamonha salgada e com pimenta, não é que o negócio era bom mesmo!  Outra coisa que me lembro é que havia um gatinho preto andando por baixo da mesa, claro que ele ganhou pedaços de frango. O almoço simples, foi bom e não foi caro, mas quando saímos do restaurante vimos uma sorveteria do outro lado da rua, então, já viu, ficamos tomando sorvete de casquinha à sombra da parede do prédio.  A cidade é muito simples, as ruas são asfaltadas, mas todas cobertas de poeira, que deve virar um barro só quando chove, se é que chove ali.

Partimos, isto já era lá para 14:00 ou mais. Uns 10 km após Abra Pampa, há uma saída de terra à esquerda para quem vai sentido sul, no GPS indicava RN40!  Então ali era o fim da ruta 40?  Se era, então ela terminava como foi historicamente em quase todo o seu percurso, linda e bruta, pois era um cascalhão cortando o planalto. Porém, descobri depois, escrevendo este blog, que ali é EX-40N, ou seja, foi o trecho final da ruta 40. Agora o trecho que é considerado RT40 "nova" continua rumo norte, uns 50 km abaixo desta que vimos chegar na ruta 9. Então a nova corta rumo norte, porém passando mais a oeste, uns 70 km atrás de Abra Pampa, e vai terminar lá em Santa Catalina, bem perto de La Quiaca, o quilometro final da RT40N deve ser algo em torno de 5300 km!


Ruta 9 antes das curvas do inicio da Quebrada de Humahuaca (foto Zeca)
Uma coisa que começamos a ver por estes lados da Argentina, eram as capelinhas e oferendas ao Gauchito Gil, uma figura lendária que faz parte do folclore argentino. Muitos lugares, com imagens, velas e bandeiras vermelhas à beira da estrada. 

A partir deste ponto que foi um dia o fim da lendária ruta 40, a ruta 9 começa a subir gradualmente, uns 20 km adiante já está a mais de 3700 m de altitude, começa a circundar uma formação montanhosa, por isto começam as curvas que vão contornando Los Alfajores e depois o Espinazo del Diablo, que são magníficas e multicoloridas formações andinas, que vão do ocre ao cinza, do azul ao vermelho.


El Espinazo del Diablo!
Aos pés desta, está a cidade de Tres Cruces e começa a Quebrada de Humahuaca.  Eu queria parar para fotografar e admirar este lugar, mas o pessoal ia lá na frente e acelerando bastante, por isto eu que já estava muito para trás, acabei não parando para não perder contato.  Inclusive porque um ônibus amarelo que esteve na frente e foi difícil ultrapassá-lo, parar significava ter de fazer isto novamente e sem saber onde meus companheiros estariam depois.  Antes da ponte do Arroio Tres Cruces havia uma placa indicando um local que se chamava Paraje Negra Muerta, nome estranho.


Aqui começa uma enorme sequência de curvas
As curvas se acentuaram antes de Azul Pampa onde a altitude já tinha voltado aos 3500 m, portanto foram curvas com subidas e depois curvas com descidas. Depois a ruta 9 se afasta da Quebrada virando para a direita e corta um outro planalto, onde a uns 135 km de La Quiaca, passamos sem ver pela saída para Iruya, porém uns 5 km à frente o Zeca parou, e quando todos nos reunimos, nos disse que tinha visto uma placa indicando, porém na pista voltando. Decidimos então ir lá ver a tal saída, que na realidade são três saídas em terra que se juntam mais adiante. A placa indicava Iruya a 53 km dali. Eram umas 15:00 h, e conversamos muito a respeito, pois seriam 106 km, que calculamos pelo tipo de estrada, seriam por baixo uma hora e meia para ir e mais o mesmo tempo para voltar, além do tempo de visita. Tínhamos também a questão do combustível, pois seriam 106 km a mais. No final consideramos que seria uma oportunidade única, mesmo que não fosse tudo aquilo, como foi o caso de Yavi, nós nunca saberíamos sem ter ido lá. Em último caso dormiríamos por lá, pois a preocupação era viajar a noite, o que para nós nos Andes está fora de cogitação. 

Ok vamos!  Mas quase nos arrependemos logo de cara, pois a estrada já virou um rípio brabo, muitas pedras soltas e grandes, areia e descidas. Onde o chão era firme era muito irregular, uma buraqueira só com pontas de pedras. A Suzi ou escorregava na areia ou pulava como uma cabrita, e foi assim por uns 5 km, que pareceram 20. Esta descida, nos tirou de 3500 m e nos levou a 3200 m de altitude em um povoado chamado Iturbe, onde uma curiosa casa bem à margem da estrada me chamou a atenção. Em Iturbe, cruza-se o rio da Quebrada de Humahuaca, e como sempre, é um largo leito com um pequeno curso de água no meio, porém requeria atenção, pois não era tão raso assim. Além do que, a estrada corre em diagonal dentro do largo leito, e havia barro por um bom trecho e um ônibus que cruzamos quase raspando, achei que o Zeca tinha raspado os baús nele, pois só passava um carro por vez.  Depois começamos a subir do outro lado, onde uns 10 km a frente há umas casinhas de adobe, é um pequeno povoado, Chaupi Rodero, já a 3500 m, mais cruzamento de rio e depois mais subida.  Eu não me lembro se foi antes ou depois desta travessia, acho que foi depois que em uma das curvas muito fechadas com areia e pedras soltas, onde o Magá perdeu o pé de apoio e caiu pela última vez nesta viagem, mas nada demais, pois a velocidade era muito baixa, fazíamos as curvas a 10, 20 km/h, por serem muito fechadas.  Bem, aproveitei a parada para murchar um pouco os pneus da Suzi, o que deu resultado, pois ela parou de pular nas pedras e ficou mais na minha mão. Lá debaixo vimos que vinha um ônibus velho descendo, enquanto eu subia calculava onde iria me encontrar com ele, pois meu objetivo era que não fosse bem em uma curva, pois seria chão pra mim na certa. Felizmente consegui um lugar para parar e esperar por ele, mas foi aí que o André tomou um atalho, que eu tinha visto mas não tive coragem de cortar por ali não, pois era muito vertical, coisa que pra ele não é problema.

Praticamente na metade do caminho para Iruya, está o ponto mais alto onde meu GPS indicava 4100 m, mas na placa da estrada estava escrito 4000 m de altitude. Foi ali que depois de uma curva, que uma visão maravilhosa se abriu na nossa frente, que visual!    O vale que se desdobra aos nossos pés e se estende por uns 30 km à frente, aquilo é lindo. Estávamos bem no limite da transição Andina, onde a aridez transforma-se em verde no lado leste. Daquele ponto à leste a apenas uns 15 km de distância, os Andes são verdes, a oeste o ocre desértico. Não cabe em uma foto.


No alto a caminho de Iruya

Já haviamos zigzageado bastante até aqui


Mas olhem o que é um "zig-zag" de verdade!

É possível ver uns 500 metros abaixo, um plano inclinado onde a estrada vira um perfeito zig-zag, pois é um declive de uns 250 m em altura em menos de 2 km se fosse em linha reta, não há freios que segurem uma rampa destas, por isto o zig-zag com 12 idas e vindas, torna a descida praticável. Claro que antes deste zig-zag há outros, mas não tão claramente definidos como aquele.



o lado leste andino atrás da Cordilheira de Nazareno


Eu fui descendo, devagar e sempre, enquanto isto eles ficaram lá em cima tirando fotos, por isto o André me registrou várias vezes, inclusive longe no zig-zag.  Neste zig-zag, há uma trilha que o corta pelo meio em linha reta no seu trecho mais baixo, foi por aí que acabei descendo o techo final, pois já estava tonto de tanto ir e vir. Quando o zig-zag termina, outras várias curvas muito fechadas, terminam a caída para dentro do vale do Rio Iruya, onde a ruta cruza alguns cursos d'água que descem pelas erosões montanha abaixo de todos os lados. São quase 1000 m de altitude a menos em apenas uns 10 km percorridos!
foto Zeca
olha eu lá!  (foto Zeca)


Eu ali, o zig-zag lá
O André se posicionou estratégicamente
foto Zeca
foto Zeca








logo perdi a paciência e peguei o atalho

Aí a ruta vai margeando o vale pelo lado esquerdo, mas em um momento cruza para o lado direito e depois volta. Felizmente havia pouca água, mas seguramente quando chove ninguém pode passar por ali. O leito do rio deve ter uns 100 metros de largura, em alguns pontos até uns 150 metros, mas o curso d'água tinha apenas uns 2 m de largura, uma fina linha no meio daquele vale imenso.
Mais à frente, voltando à estrada mesmo, esta continua perigosa, pois à sua direita, o leito do rio por ali, passa a uns 10 ou 15 metros abaixo, o que significa que sair da estreita estrada resulta fatal.

Quase chegando em Iruya, passamos por um arco escavado na rocha, é um micro túnel, onde só passa um veículo, eu ia na frente, agora seguido de perto pelo Magá que devia estar vendo a roda traseira da Suzi escorregar o tempo todo.


Descemos um bom trecho juntos, eu e o Magá

Ele foi me filmando


Vamos ver quem chega primeiro?
Dá pra ver a roda traseira derrapando?
micro túnel


o leito do rio de Iruya (foto Zeca)
foto Zeca
foto Zeca
A primeira visão que se tem de Iruya é linda, o André a definiu-a como uma cidade do Nepal, e esta associação não está errada, pois as montanhas ao redor imponentes, contrastam com a pequena igreja que se sobressai na paisagem ao lado do imenso vão formado pelo leito seco do rio.  Um pouco mais adiante há uns carros velhos abandonados, umas casinhas simples e a visão clara da passarela que liga os dois lados da cidade divididos por um vão de uns 200 metros, que é o leito do rio.  As montanhas ao redor, todas com as cicatrizes da forte erosão que deve só acontecer quando chove. Aliás eu não gostaria de estar lá para saber como é quando chove, pois as evidências não são convidativas.

Eu fiquei parado enquanto o Zeca e o André foram adiante e cruzaram a passarela com as motos, depois foi minha vez, mas devido à distância as fotos não ficaram boas. O que descobri cruzando a passarela foi, que havia um campo de terra batida, onde acontecia uma partida de futebol, que era assistida por todo o efetivo policial do local, um soldado masculino e mais três soldados femininos.




ali está!  (foto Zeca)
Iruya (foto Zeca)



O André descreveu este lugar como sendo uma cidadezinha do Nepal!


As três soldados assistindo um futebol


a ponte que liga os dois lados da cidade (foto Zeca)

Não tem água, mas imagino quando tem!

o lado oposto olhando da frente da igreja
agora virando o rosto sentido norte


para provar que elas estiveram aqui


Paramos em frente a igreja de Iruya, que estava fechada, na sua frente a rua com calçamento de pedras se alarga formando uma praça, depois dali uma rua que sobe muito à esquerda. Uma pena, mas não tínhamos muito tempo, pois o sol já não aparecia lá embaixo, escondido atrás das altas montanhas. Eu estava era preocupado com umas nuvens que rondavam um pico no lado oeste, mas um senhor onde o Zeca foi comprar água, lhe disse que não choveria. De qualquer forma, tínhamos toda a aventura da descida, transformada agora em subida, então infelizmente tivemos que partir. Mas partimos felizes, pois valeu a visita.





Imaginem quando chove




foto Zeca

foto Zeca
foto Zeca
Em se tratando de off-road, subir é sempre mais complicado que descer, isto porque na descida, basta aplicar freio motor e ir ajudando com os freios, assim o veículo não faz força, o que se traduz em maior controle. Já na subida, devido a necessidade de força, o veículo tem que tracionar e o motor trabalhar bastante, o que significa mais força nos braços para segurar a coisa quando se trata de motos, mas apesar de mais cansativo é sempre mais divertido. 

Diversão não foi o que faltou na subida, pois as saídas de curvas eram feitas com a roda traseira das motos tracionando e jogando pedras e areia para cima.  Quando chegamos novamente no zig-zag, o Zeca ia na frente, então o André olhou o atalho e entrou por ali, seguido pelo Magá e por mim, mas como disse, era subida, e aí com pedras e valetas a coisa ficou feia, mas ninguém caiu, eu quase, mas tudo bem. O André começou a acelerar, pois ele queria cortar a frente do Zeca que, por sua vez ia fazendo o zig-zag a milhão para não deixar o André lhe passar. Nesta brincadeira os dois se afastaram e depois sumiram, apenas foi possível vê-los novamente muito longe lá no alto, mas os dois não diminuíam o ritimo.

Eu e o Magá fomos mais tranquilos e quando chegamos lá em cima os dois estavam ainda "adrenados", o André tinha as mãos tremendo pelo esforço.  Uma pedra lançada pela roda dianteira da sua moto, fez um buraco no tubo de PVC porta ferramentas que ele tinha, igual ao meu. Deu para ver que a brincadeira foi violenta.

Então começamos a descida para o lado oeste, antes de subir novamente até a ruta 9, mas ali havia ainda o sol de fim de tarde, lá em baixo em Iruya devido ao vale estava tudo nas sombras.


Zeca o mais rápido na subida!
Eu o mais lento!
De volta ao ponto mais alto
Antes da descida para o rio em Iturbe, minha garrafa de água caiu, então o Magá a recolheu e me entregou, eu fiquei parado para amarrá-la melhor enquanto eles seguiram. Quando fui ligar a Suzi ela não pegou, nem sequer fazia o som do motor de arranque!  Fiquei nervoso, pois naquele lugar uma pane era a segunda pior coisa a acontecer, a primeira seria cair e se machucar.  Achei que com toda aquela puladeira que foi a subida, o cabo da bateria deveria estar frouxo, então desmontei toda a bagagem e tirei o banco para acessar a bateria. Com uma chave verifiquei que os cabos estavam firmes, mas a água da bateria havia saído um pouco pela tampa de vedação, será que ferveu?   Bem, tentei daqui e dali e nada, então montei tudo no lugar e decidi tentar o que com uma DR é considerado impossível, que é fazê-la pegar no tranco, mas como as descidas ali eram fortíssimas, não custava tentar, o problema era só empurrar a moto até uma delas, pois eu havia parado em um plano.
Empurrar uma moto de 180 kg mais bagagem a 3500 m de altitude não é brincadeira, mas não tinha jeito.  Fui devagar até conseguir uma inclinação que, depois de um pouco de embalo me permitiu tentar o tranco em terceira marcha, e brum!  Não é que pegou!  Como o motor estava muito quente e a inclinação era boa, além do peso todo da bagagem, consegui o que é quase impossível.

Encontrei os três parados do outro lado do rio, lhes expliquei o acontecido e disse, vamos em frente que eu não quero desligar a Suzi, pelo menos até chegarmos à ruta ou outra cidade.

Saímos na ruta 9 depois de um bom tempo, acho que já eram lá pelas 18 h ou mais, mas o sol apesar de fraco ainda iluminava o dia. Então fomos direto, quer dizer, íamos direto, pois a Suzi deu pane seca, pois eu já havia virado a torneirinha da gasolina para a posição reserva, pois temia que ela desse aquela engasgada quando entra na reserva, eu não queria isto naquelas subidas, pois seria chão na certa. Eu tinha gasolina reserva, mas estava amarrada na bagagem, como o André tinha fácil, e o Magá também, me deram combustível. Minha dúvida era se a Suzi pegaria após apagar. Mas pegou na primeira!  Achei estranho, continuei sem entender o que havia acontecido antes quando ela não pegou pelo botão de partida...

Não sabíamos, mas Humahuaca estava bem perto, uns 25 km de distância, então chegamos lá com o dia ainda claro. O que é interessante quando se chega a Humahuaca pela ruta 9, é um grande conjunto habitacional, com as casas todas iguais, onde no telhado, mais precisamente nas caixas d'água, estão pintadas uma estrela vermelha e a face de Chê Guevara, intercaladas. As casas parecem novas, mas as ruas são todas de terra. Para quem vem do norte, este conjunto fica a uns 700 m antes da entrada do acesso a cidade. Este acesso leva até a Av. General Belgrano que margeia a Quebrada de Humahuaca e é a avenida principal.  Claro que fomos logo procurar um posto de gasolina, que encontramos nesta avenida mesmo, porém havia uma fila enorme de carros para abastecer. Fizemos o de praxe, já fomos lá para o fim da fila, mas o Zeca não, ele entrou no posto, desceu da moto e ficou conversando com alguém. Depois veio até nós e disse que não precisávamos ficar na fila, pois haveria gasolina no dia seguinte. Nós indagamos o porque da fila então?

Alguém concluiu que era para quem estava saindo da cidade, então meio contrariados saímos da fila e fomos a procura da nossa pousada, que era a Hosteria Naty, recomendada pelo nosso amigo Rubens Taz, que já havia passado por lá antes. Mais uma vez batemos cabeça à procura da pousada, vai daqui, volta dali, alguém entrou na contramão, não me lembro quem, até que finalmente encontramos a pousada, mas já com a noite caindo. A pousada Naty fica na Calle Buenos Aires, próxima a praça Dr. Ernesto Padilla. Nós tínhamos reserva, mas era para o dia seguinte, pois saímos um dia adiantados de San Pedro no Chile. Mas tudo bem, conseguimos um quarto, porém um só para todos nós!


Procurando a pousada Naty em Humahuaca
Não Zeca, é por aquí!
A noite chegou em Humahuaca
O estacionamento da pousada tinha acesso pela rua de trás, chamada Santa Fé, e foi por lá que invadimos o local com nossas motos. O dono da pousada também é motociclista, mas quando chegamos ele não estava lá, fomos atendidos por um senhor de idade, de pele bem morena.

Imaginem a confusão que virou o quarto com todas as nossas coisas juntas, além claro da fila para o banho. Nossas botas, para vocês terem uma ideia, ficaram todas do lado de fora no corredor, pois no quarto era impossível manter aquele material radioativo, quer dizer, mal cheiroso. 

Sei lá a que horas foi, mas finalmente conseguimos sair para jantar, mas não antes de passar bem em frente à pousada, uma procissão com uma banda de música, o André que estava ao telefone colocou  o mesmo de forma que a Lila pudesse ouvir. Depois fomos calmamente caminhando e viramos na esquina da Calle Córdoba, nesta fazendo esquina com a Calle Corrientes havia um grande restaurante, porém eu só via janelas, foi daí que soltei a pérola "por onde é que se entra neste lugar?"   A resposta "em coro" foi "pela porta, jumento!"
Ok, eu merecia mesmo esta...

A esta altura eu não me lembro o que comemos, mas me lembro que o Magá perguntou se aceitava cartão de crédito, e eu acho que ele pagou para todos com o cartão e nós lhe pagamos em pesos, mas o problema foi justamente na hora de ele passar o cartão, pois o rapaz do caixa cobrou 10% de taxa pelo pagamento com o cartão. Imaginem o que aconteceu, o Magá virou um bicho, levantou derrubando cadeiras e chutando as que caíram. Foi lá no balcão e reclamava porque o rapaz do restaurante não havia lhe avisado antes sobre a taxa. O rapaz, tão grande quanto o Magá, manteve o controle, pois a coisa tendia para saírem no braço. Nós por outro lado, como sempre, tentando acalmar os ânimos do Magá, lhe dizendo que lá era assim mesmo.  No final, pelo que me lembro, acabou pagando a taxa, mas saiu de lá ainda derrubando a cadeira onde estava sua blusa.

Bem, o dia terminou assim, eu estava meio aéreo, pois tinha tomado mais cerveja do que devia, então depois disso nem me lembro mais de nada, só que voltamos para a pousada.

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