sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Dia 21/12/2012 - De Cachi a San Antonio de Los Cobres passando por Abra del Acay (a ruta 40 e suas muitas faces)

Acordei cedo e como não conseguia mais ficar enrolando na cama, resolvi adiantar o expediente indo arrumar a minha bagagem na moto, algo que, como vocês já sabem, é o meu ponto fraco nestas viagens, mesmo começando antes eu sempre termino depois de todo mundo. Vou deixar tudo pronto hoje, pensei...

Com cuidado para não acordar o André, fui levando minhas coisas para baixo e colocando no chão ao lado da moto, havia um silencio total, então eu movia as coisas com cuidado. Estavam as três motos debaixo da parreira, a do Zeca estava do outro lado, devido a sombra de ontem, o Magá deixou a XT bem encostada na minha moto, que também estava próxima da do André.  Eu sabia que a moto do Magá tinha alarme e sempre ficava ligado, por isto não tentei movê-la, daí que fiquei me espremendo para passar por entre as motos, porém não dava para amarrar a bagagem, então decidi tirar a minha moto dali com cuidado, porém acabei batendo com o corpo na moto do Magá o que disparou o alarme.  Aquilo foi um absurdo, o alarme alto ecoando naquele pátio e eu desesperado para silenciar aquilo, porém o Magá devia estar em outra dimensão, o tempo que ele levou para acordar me pareceu uma eternidade. O Vale de Cachi inteiro foi acordado por aquele ruído infernal, acho que até as Lhamas lá no alto do Nevado de Cachi escutaram aquela zoeira toda.  Resultado, acordei a pousada inteira, fiquei com uma cara de idiota e perdi o tempo que achei que ia ganhar, além do que todo mundo deve ter xingado a minha mãe, que não tinha nada a ver com aquilo, exceto pelo fato de ter me colocado no mundo.

O André então começou a arrumar as coisas e claro, terminou antes de mim. Decidimos então colocar as duas DR lá fora, foi aí que eu descobri o quanto aquela tábua era pesada, passei vergonha, pois foi difícil para mim colocá-la no mesmo lugar onde aquela senhora a havia colocado no dia anterior com tanta facilidade e rapidez. Enfim, eu e o André descemos as motos para a rua e ficamos alí conversando, já havíamos pago a pousada. A manhã continuava nublada e fria, nada a ver com o dia anterior, e por isto acho que todo mundo ia dormir um pouco mais não fosse aquele alarme gritando.
Um jovem casal, que havia chegado de carro depois de nós no dia anterior, partiu enquanto estávamos ali, acho que por conta da minha orelhada eles partiram mais cedo.


O André em frente a pousada, com já tudo pronto para partirmos, olha a tábua ali
Na rua havia uma pickup S10, a cujo motorista eu havia pedido o favor de movê-la um pouco à frente para podermos descer as motos.
Ele começou a conversar com a gente, nos contou que fazia muitas viagens pelas redondezas, disse que estava esperando um jornalista que estava ali na pousada, que eles estavam rodando na região havia alguns dias, pois um maluco britânico resolveu montar um campo de pouso para discos voadores, isto mesmo, ali perto de Cachi, mais precisamente perto de onde havíamos errado o caminho no dia anterior saindo da cidade e fomos orientados a voltar. Bem, a história é que ele construiu um lugar lá em forma de estrela e havia muita gente por lá o acompanhando, pois segundo ele afirmava, nesta noite de 21/12/2012 um disco voador apareceria por lá, por conta do fim do mundo no dia posterior etc.  Nós três rimos da estória, não que eu não acredite em OVNIS, pelo contrário, porém acho que seres de outros planetas, mais evoluídos que nós, e que teriam como vir até aqui, obviamente são espertos o bastante para não dar uma bandeira destas, nós humanos ainda temos instintos muito primitivos, acha que confiariam uma coisa destas a um cara em um lugar qualquer, quanta ingenuidade eu pensava, para mim eles nos monitoram à distância, pois a humanidade em geral, quando vê algo que não entende, atira primeiro e pergunta depois. 

Mas como ele disse, o repórter acreditando ou não, tem um trabalho a fazer, então antes de eles saírem, nos despedimos nos desejando um feliz 2013 pois sabíamos que o mundo não ia acabar no dia 22, nem tampouco haveria um disco voador dando carona ali em Cachi!
Mesmo que tivesse, nós iríamos de moto!

Na realidade eu e o André vimos o fim do mundo mais tarde naquele dia, os detalhes conto adiante.

Fomos tomar café no restaurante anexo à pousada, não me lembro mais porque houve alguma indecisão se iríamos lá ou não, mas no final foi ali mesmo, isto era por volta das 8:30 da manhã, partimos dali direto para o único posto de gasolina da cidade. Abastecemos, calibramos os pneus e ficamos um tempão tentando parear os intercomunicadores em grupo, mas no final não funcionou, ficamos nos comunicando aos pares.

Voltando pela rua perpendicular a da pousada, descemos para cruzar a ponte sobre do rio Calchaqui que forma uma enorme quebrada, ali é a continuação da ruta 40, porém com asfalto. Assim fomos margeando agora pela direita o rio, a manhã continuava fria, mas o sol estava aparecendo aqui e ali.

São 12 km de asfalto até Payogasta, beirando a margem direita da quebrada de Calchaqui, após o centro da pequena Payogasta, bem em frente ao cemitério, há o encontro entre as rutas 40 e a 33 (aquela que vem até ali pela reta del Tin Tin, por asfalto). Então viramos à esquerda rumo norte seguindo a ruta 40 que agora é rípio e areia,  a ruta 40 voltou a ser ela mesma!
Saindo de Cachi, do outro lado da ponte do rio Calchaqui, o asfalto da ruta 33
O vale do Rio Calchaqui
Já de cara há uma reta de 1.5 km de cascalho, aí alguém teve a ideia de ir lá no fim e filmar os demais vindo pelo retão cascalhento.  O André foi lá para o fim e ficou filmando, eu não lembro a sequência, mas lembro que o Zeca voou, levantou um poeirão, ele disse depois que tinha chegado a 140 km/h!   Que loucura, eu me lembro que fui a 80 por hora e já achei um abuso fazer isto naquele lugar, pelo menos estávamos perto de duas cidades e mais perto ainda de um cemitério...

Inicio do segundo trecho da ruta 40, o retão de cascalho
O Magá vindo na boa, mas teve gente que voou ai!
A esta altura o sol já brilhava e o dia ficou lindo, paramos bastante para fotografar a Quebrada de Calchaqui com suas casinhas e plantações e um horizonte distante. Em uma curva aconteceu novamente comigo aquela falta de sincronismo, vi uma cena linda, mas quando parei a moto para pegar a máquina fotográfica a cena já havia mudado. Novamente era um senhor a cavalo (como foi a cena que fotografei apenas mentalmente em Moquégua no Perú em 2010).  Neste pedaço do mundo, a ruta 40 passa por muitas pequeníssimas vilinhas, na realidade casinhas espalhadas aqui e acolá, o chão é firme mas há alguns cursos d'água que tivemos que cruzar, nada em especial, porém a viagem não rendia, pois havia muitos motivos para fotos, incluindo um cactus gigante bem na beira da pista, neste local a terra na estrada é de cor avermelhada, diferente dos demais trechos onde prevalece a cor de areia.

Ainda beirando o rio Calchaqui, em uma curva a estrada passa literalmente embaixo de uma parede de pedras que formam uma grande sombra, ali está uma imagem de Nossa Senhora em um capelinha, nós paramos naquela sombra onde o rio passa em curva acompanhando a estrada. Lembrei a todos, mas esqueci de tirar a minha, que estávamos no quilômetro 4539 da ruta 40, que isto valia uma foto, o Zeca fez certinho, parou sua moto ao lado da placa e registrou o momento. Nós não sabíamos, mas muitos dias a frente iríamos passar por onde a ruta 40 de fato termina, no quilômetro 5000 e tantos, quase 6 mil.


Eu e o Magá
Nós outra vez!
O Zeca e o André
Foi aqui que perdi uma foto linda, não deu tempo de registrar o cavalo e o cavaleiro
Magá e Zeca
É lindo!
Adorei esta foto!
Perde-se a noção de distância e tamanho, aquilo é uma ponte!
O que estou olhando?
Isto!
A curva da gruta
A gruta de Nossa Senhora ruta 40
Eu a a Suzi na ruta 40
Rio Calachaqui

Esqueci de parar a Suzi ao lado da placa...
Que foto heim ?
Andrezito
A XT no seu meio
O Magá estave lá, ruta 40 km 4539!
Inteligência poupa energia, na altitude isto vale muito (foto Zeca)
O registro (foto Zeca)
Logo após a gruta
Depois da entrada para La Poma, passamos por El Trigal, neste lugar ao que parece, o rio Calchaqui vem da direita e cruza a ruta para o lado esquerdo, onde esteve o tempo todo até ali, os argentinos tomaram o cuidado de fazer um calçamento de concreto rebaixado, assim a estrada corta o rio de forma que passamos dentro da água, porém sobre um piso de concreto, estes rebaixos são chamados de "vados". Um com concreto e o outro não, pois é uma extensa área de leito de água que vem do Nevado San Miguel que está à direita da ruta, imagine o que deve virar isto na época do degelo, quando finda o inverno...

Bem mais a frente passamos por um muro de pedras e algumas casas, a ruta se estreita muito, ficando com a largura de um veículo apenas, há muita erosão, porém havia vestígios claros de que uma motoniveladora havia melhorado as coisas por ali, o que a julgar pela dificuldade do trecho, deveria estar caótico antes da manutenção. Neste trecho começou a subida, e aí há muitos pequenos cursos d'água cruzando a ruta, atravessamos uns dez cursos d'água, que são córregos formados pelo gelo noturno que se acumula no cume do Nevado San Miguel, que ali está a apenas 6 km da estrada. 



Tem chão ainda (literalmente)
Estou feliz!
Eu e o Z|eca
O Zeca\ "atacando" um curso d'água, lá na frente tem um presente
Uma sombra!
Por aqui uma sombra não se deixa passar
Vamos gente?
Você acha que este cactus é grande?
Com o Magá ao lado da saber!
Eu lá na frente cortando águas andinas
Agora o Zeca
Agora começaram os eventos das subidas, pois chegamos à Cuesta del Acay. Na primeira subida forte, após um curso d'água o Zeca acelerou e se adiantou, eu que vinha na sequência, vi uma lhama marrom no barranco à minha esquerda, como ela não se intimidou com a minha aproximação e ainda por cima me olhava, resolvi que daria uma bela foto, pois é difícil uma lhama olhar para a lente da câmera, parei a moto e saquei a máquina fotográfica e a enquadrei, atrás de mim pararam o André e o Magá, todos com a mesma intenção, porém a lhama colocou as orelhas para trás e começou a fazer uns movimentos ameaçadores, como ela estava no barranco acima de nós, ficou claro que viria pra cima, nós guardamos as máquinas e começamos a gritar uns com os outros, corre, corre!   Ligamos as motos e começamos a acelerar, de fato ela veio pra cima, pulou na estrada bem atrás do Magá que por sorte já estava em movimento, como eu e o André. Eu acelerava e assistia pelo espelho retrovisor ela correndo atrás de nós, quer dizer, mais especificamente atrás do Magá!

Eu já estava bem à frente com o André atrás de mim, o Magá é que estava com uma lhama enfurecida no seu encalço!  Fizemos uma curva na forte subida e ela parou lá atrás, ufa!

A lhama que nos botou pra correr (foto minha segundos antes)
Bem longe da fera
Agora podemos rir da situação né Magá?
Agora passado o susto começamos a rir sem parar, naquela altitude começou até a me faltar ar. Paramos as motos mas não conseguíamos era parar de rir, eu literalmente chorei de rir, pena que a cena não foi filmada.  Só depois eu fui entender o que tinha acontecido, pois eu não havia visto as outras lhamas no lado direito da estrada. Aquela sobre o barranco à esquerda era um macho líder, estava ali na posição mais alta, observando as suas fêmeas que pastavam no outro lado da estrada, aí o besta aqui parou bem no meio, por isto o bicho ficou uma fera. Bem, nós não sabíamos que lhamas podiam ser tão agressivas, ficou aí uma lição. Em tempo, lhamas macho são uns bichos bem grandes, devem pesar pelo menos uns 150 kg e medem mais de 2  metros de altura, então não brinquem com elas no ambiente selvagem.

Na continuação das subidas encontramos o Zeca parado, fomos lhe contar o acontecido, porém foi aí que alguém viu que a travessa do suporte dos baús laterais de alumínio da moto dele tinha quebrado. Então paramos ali mesmo no meio da estrada, que por sinal é bem estreita e com desfiladeiros na margem direita. O Zeca começou a árdua tarefa de, sob um sol escaldante, tirar as coisas dos baús a procura de algo para amarrar a travessa.
O André tinha me dado um pequeno rolo de silver tape, que eu guardei no novo compartimento de ferramentas que fiz com um tubo de PVC, copiando um modelo do Zeca, aí descobri que tinha entrado muita água no mesmo, minhas ferramentas estavam todas molhadas, também, com tanta água que cruzamos até ali.  Não sei quanto tempo ficamos parados, mas foi bastante, enquanto isto o Magá tratava de fazer piadas zoando a tudo e a todos, principalmente o Zeca que, tentando manter a calma, estava concentrado na solução do problema. Eu resolvi me sentar no barranco à esquerda, mas como sou idiota, coloquei a mão para me apoiar antes de sentar, uma inocente e minúscula moitinha encheu minha mão de espinhos. Eu segurei a dor e bem quietinho, fui tirando um a um os grandes espinhos que entraram na palma de minha mão. Como os espinhos são marrons, não dá pra perceber o seu tamanho, apenas o pouco verde da plantinha, que na realidade estava protegida com suas armas. Refeito, mas ainda com dor na mão, consegui me apoiar em uma pedra e sentar, se o Magá tivesse visto, teria tido motivos a mais para me alugar.

Quando o Zeca terminou, nós todos estávamos derretidos por aquele sol ardente, que devido a altitude e a pureza do ar, queima sem dó. Ele se sentou um pouco para descansar e nós acreditamos que a fixação estava boa.


O suporte dos baús laterais, quebrou  (foto Zeca)
Também peguei umas ferramentas da Suzi, para o André
Enquanto o Zeca arruma o suporte, fixa com Silver Tape
O André verifica o óleo
Ufa!  Preciso descansar
Agora tudo ok?
Travessa do suporte fixada
Ok, vamos partir!


A subida continua (foto Zeca)
Continuamos então a subida de cuesta, que é linda, mas na estrada a gente olha o tempo todo para cima, pois a inclinação é forte. Fizemos várias paradas para tirarmos fotos, até que cruzamos no alto com uma pickup amarela, acho que era uma L-200, com placa do Brasil, e de fato eram dois brasileiros, um deles é um famoso alpinista, mais como não entendo disto a esta altura não vou mais me lembrar seu nome.  Conversamos um pouco com eles e daí seguimos.  Após muitas curvas finalmente chegamos literalmente ao ponto mais alto desta viagem, Abra del Acay, onde a estrada passa a 4895 m de altitude pelo lado esquerdo do Nevado del Acay cujo cume dista dali 8 km em linha reta e está a 5950 m de altitude, sempre com algum gelo acumulado.

Subida da Cuesta del Acay
Lhamas, cuidado!
É alto e lindo, mas não tão alto ainda!
Vocês conseguem ver duas motos nesta foto?

Eu e o Magá
O André tirou parado daqui
Lindo demais
Lá no fundo no alto à esquerda, os riscos brancos são gêlo
Tá gostando né André?
El Acay lá longe
Além dos precipicios, há muitas pedras, melhor não cair por aqui
O Magá e El Acay, dois gigantes!

Pintura
Paramos no ponto mais alto, onde há diversas placas, que por sinal divergem dos GPS, indicam 4895 m e os GPS indicam 4945 m acima do nível do mar, não sabemos quem está certo, mas de qualquer maneira falta ar do mesmo jeito. Um mal estar, uma falta de vontade de fazer qualquer coisa, até para tirar as fotos dava desânimo, tanto que nem mexi na moto, onde parei ela ficou. Em um dado momento, ainda meio zonzo, olho para o lado e vejo o Magá de joelhos rezando em frente a uma pequenina capelinha no chão. Achei inusitado, pois ele tem um jeito tão agnóstico!   Bem, ali qualquer marmanjo fica fácil de joelhos, eu não o fiz, pois tinha dúvidas se iria conseguir me levantar depois, rezei em pé mesmo.
Enfim chegamos!  (foto Zeca)
Zeca registrado (foto Zeca)

O GPS indica um pouco mais que a placa

Meu registro, mas não consegui sorrir...
Para onde vamos, descer para San Antonio de Los Cobres lá no meio da foto

Estávamos tão mal, que ninguém lembrou de colar o nosso adesivo
O Magá de joelhos, literalmente, eu por minha vez rezei em pé mesmo
El Acay lá ao fundo

O André registrado
O Magá registrado (foto Zeca)
As poderosas (foto Zeca)
Vamos embora gente, não estou legal, ninguém estava!
A descida para San Antonio, aquele pontinho é um biker!
Apesar de ser o ponto alto, literalmente, e de onde se podia fácil ver o horizonte à distância de uns 80 km ou mais, não ficamos muito por ali, tratamos logo de seguir.  Deste ponto até o baixadão onde as rutas 40 e 51 se encontram, já próximo a San Antonio de Los Cobres, são 30 km, com uma diferença de altitude de pouco mais de 1000 metros, pois SALC está a 3800 m. Então começou um caracol de descidas e em um ponto da estrada paramos para fotografar, havia uns cinco ciclistas lá embaixo subindo lentamente. Não canso de dizer que estes é que são os verdadeiros malucos!  Nós de moto, não estamos fazendo grande coisa, comparando com o que eles suportam.  Eles vinham com grande espaçamento entre sí, cada um no seu ritmo, mas sem dúvida, todos sofrendo muito.  Continuamos a descer e logo cruzamos com o primeiro, que nos cumprimentou sem mover a cabeça, entendi que para ele qualquer esforço adicional era uma tortura.  Cruzamos pelo segundo que já mais sorridente no cumprimentou, foi aí que o André viu que o suporte dos baús do Zeca tinha caído.  O Zeca se lembrou de ter visto o suporte no lugar quando a moto estava parada lá no alto, então estava no caminho até ali, o André prontamente virou a moto e disse que iria procurar, o Magá foi também, como eles foram, não achei necessário eu ir, pois poderia cair e dar mais trabalho do que ajudar. Ficamos então parados ali, e os ciclistas foram passando, porém logo o André e o Magá voltaram com o suporte em mãos. Ficou claro que não daria para tentar fixá-lo novamente, o jeito então era chegar até San Antonio onde seguramente haveria um soldador, eu lembrei que havia oficinas de trens por lá, meio abandonadas mais havia, onde tem ferro, tem solda...

Do outro lado de Abra del Acay, descendo para San Antonio, tem duas motos ali
Paramos, porque o suporte dos baús do Zeca caiu
O André e o Magá voltaram e o acharam caído na ruta
O André chegando de volta com o suporte nas mãos
Continuamos a descida e ao cruzar com o último ciclista, que era uma ciclista, ela me perguntou quanto faltava para o topo, eu lhe disse que uns 5 km, ela sorriu meio sem graça, pois a informação obviamente não lhe agradou, também com aquele nível de inclinação acima eu estaria chorando se estivesse no lugar dela.

 Como eu parei para falar com a ciclista, todos seguiram na minha frente, e numa descida reta, meio perigosa, muito estreita e escorregadia e com um belo barranco para baixo à direita, vejo todos parados, pois o Zeca tinha caído. Como ele sempre disse, é devagar que eu caio, foi o que aconteceu, ainda bem que ele jogou a moto para a esquerda enfiando a frente no barranco arenoso, do outro lado...

Eu sabia exatamente o que ele estava sentindo, pois estes tombos bestas devagar, não quebram nada, mais não sei porque, dobram o nosso moral, eu já havia passado por isto em 2010. Bem, tudo bem, claro que fotografamos, mais devido a cara de mal humor do Zeca, ninguém ficou brincando com ele. Levantamos a moto, que mesmo sem a travessa dos baús, nada sofreu, apesar do o baú esquerdo ter dado uma boa enterrada na areia.
Ok, continuamos o descenso, e logo já estávamos no planalto de San Antonio, ou seja a aproximadamente 3900 m de altitude, porém ainda a uns 15 km do encontro com a ruta 51. 


Mais uma queda, felizmente sem consequências
Ainda bem que o Zeca foi esperto e jogou para a esquerda, na direita hum....
Neste trecho a coisa ficou feia para mim, pois o piso virou uma areia coberta com cascalho onde a moto ia o tempo todo oscilando de um lado para o outro, eu estava era vendo a minha hora de cair, mas tinha que manter a concentração para mantê-la com aceleração, porém sem deixar que ganhasse velocidade. As calaminas ou calamitas, seja lá o nome que for, surgiram e faziam até o cérebro tremer, o Zeca e o André aceleraram forte, e o Magá também começou a abrir, eu continuei na minha luta entre velocidade e tração, pois ao contrário do Zeca, me sinto mais seguro indo devagar, o que neste tipo de terreno, apesar de ser o procedimento mais seguro, prevendo uma queda, é o menos indicado no quesito equilíbrio. Eu prefiro me arriscar mais a cair devagar do que menos provavelmente vir a cair rápido, é um jogo com a sorte de qualquer maneira. 

Quando estava já literalmente na reta final, o André estava lá parado nos fotografando, como eu queria saber andar como ele...    Havia bem ali no encontro das rutas, um cemitério andino, bem característico, porém este era murado e tinha até um portão.  Eu tolo, estava contente por ter chegado a ruta 51, pois em 2010 foi fácil fazer os 15 km de rípio até SALC, mas eu estava enganado, pois tudo havia mudado. Me lembrei que em Fevereiro de 2011, um mês após o fim da nossa primeira expedição, aconteceu um fenômeno raro, o inverno Boliviano, como é chamada a estação chuvosa no norte Andino, naquele ano foi absurda, causando inundações e destruindo em grande parte as estradas por aqueles lados. Vi fotos de verdadeiros lamaçais, havíamos passado a pouco mais de um mês naquele ano, que era um dos lugares mais secos da terra...  Bem, como havia muito cascalho e muita areia, concluí que fora resultado da manutenção que as estradas sofreram após a chuva inédita. Tiveram que puxar muito material das cercanias para nivelar o que antes era um belo chão batido. O pior é que devido ao trânsito de caminhonetes havia muita poeira, e não era muito seguro passar rápido ao cruzar algum veículo, pois o terreno era instável, tanto para nós como para eles. Eu não via a hora de chegarmos, e parecia que não chegava nunca, tão diferente de Dezembro de 2010, quando achei este trecho da ruta 51, lindo maravilhoso...


Zeca rasgando na chegada da ruta 51
Quem vem lá?
Eu! Mas observem como estou atento ao terreno!
Lá vou eu, sambando
Cemitério Andino, no encontro das rutas 40 e 51
O Magá na chegada da ruta 51

Lhama da cara preta, fique aí!
Chegamos a San Antonio de los Cobres sob um lindo sol, a entrada da cidade me pareceu confusa, ou confuso estava eu, mas logo estávamos em uma das ruas do setor leste, onde paramos perto de uns carros velhos, indício de uma oficina, encostamos as motos à sombra de uma parede em um terreno vazio e abandonado, com lixo espalhado. Tudo o que queríamos era uma sombra, além de matar uma fome danada. O Zeca logo conseguiu encontrar alguém que fazia solda, ou melhor, havia alguém, mas não estava ali no momento, tínhamos que esperar, foi aí que genialmente eu e o Magá nos lembramos que tínhamos as nossas granolas e as caixinhas de leite, além dos nossos copos "Elf" que havíamos ganhado em Salta. Ficamos tirando sarro do André e do Zeca, pois eles não tinham.
Despejei a granola e o leite no meu copo e comi com gosto, o leite por sinal, mal sinal que o tonto aqui não percebeu, estava bem quentinho...  Claro, havia ficado dentro do baú da moto, naquele sol escaldante quase o dia todo, pois já eram umas três horas da tarde. Satisfeito, pude raciocinar melhor, se é que eu estava fazendo isto em algum momento daquele dia, sugeri que fossemos ao hotel de Las Nubes checar se haviam vagas, muito difícil não haver, porém sabe né...

Então partimos eu e o André até lá, claro que havia vaga, porém como sempre o preço era bem salgado, mais aquele hotelzinho é literalmente um oásis em meio àquele deserto!   É muito aconchegante, e as cercanias na cidade nada convidativas. Ok, já pegamos os dois quartos mais próximos do hall e começamos lentamente e levar as bagagens para lá. Eu joguei minhas coisas no fundo próximo a janela, mas eu comecei a não me sentir bem, aquela tarefa de levar as bagagens me cansou muito e uma tontura me pegou, estava meio perdido tentando ajeitar minhas coisas, principalmente colocar a tralha eletrônica para carregar, mas eu não conseguia.


Enfim San Antonio de Los Cobres!
O Magá na entrada de San Antonio
Ruas de San Antonio (foto Zeca)
Lindinha (foto Zeca)
Fomos direto procurar um soldador
Nesta oficina tinha
Zeca e Magá, esperando pelo soldador
San Antonio
Acho que este aí nem com solda
E este Taurus, será que anda?
Enquanto isto, eu e o André chegamos ao Hotel de Las Nubes
A parabólica que conecta San Antonio ao mundo

É caro, mas vejam, vale a pena!
Agora sim, todos reunidos no Hotel de Las Nubes
Olha só quem veio escondido na bagagem!  Sccoby, você queria voltar aqui não é?
O Magá e o Zeca chegaram, e eu já havia me estendido na cama, esperando o mal estar passar, o André que não estava melhor que eu, também deitou na sua cama. Não demorou muito ele pulou na cama apavorado, pois dizia que não conseguia respirar, eu olhei para ele e aí vi que ele estava muito mal, tentei acalmá-lo mais ele estava muito mal mesmo.
Me disse que sentia-se como se fosse morrer, para quem está de fora parece exagero, mas somente quem passa por uma situação de não conseguir respirar e sentir o coração disparado sabe como é.  O Magá e o Zeca entraram no quarto, pois tomei coragem para levantar e os avisei sobre o estado do André, mais naquele momento o André só dizia, não falem comigo... não falem comigo... não consigo respirar!   Eu pedi para o Magá lhe dar o Diamox, mas o André, não queria. Enquanto isto tanto o Zeca como o Magá, diziam que estavam se sentindo bem, mas eu estava com dor de cabeça, com ânsia de vômito e a boca amarga. Passado algum tempo, com a situação mais calma, pois eu e o André estivemos vendo o fim do mundo, e não antes de eu ter vomitado e devolvido à natureza tudo o que havia ingerido naquele dia, nos sentamos à mesa no hall do hotel. Eu aceitei o Diamox, mas na realidade precisava mesmo era algo para o fígado, pois foi aquele leite fermentado que me detonou. O Magá me deu algo, não lembro o quê, mais começou lentamente a funcionar. Eles pediram empanadas que, ao invés de virem assadas, vieram fritas, eu nem conseguia olhar para elas, me esforcei para tomar água, pois era a única coisa saudável que meu organismo podia aceitar. O tal Diamox é porreta mesmo, pois logo o André estava bem, parecia que não lhe havia ocorrido nada!  Eu, por outro lado, não ia muito bem, pois meu problema era outro, eu não "punei", eu "azedei".  Eu sugeri que eles aproveitassem as últimas horas do dia e fossem visitar o viaduto La Polvorilla, que dista dali apenas 12 quilômetros. Mas agora era o Zeca que dizia não se sentir bem, e afinal devido a isto ninguém foi, eu de qualquer forma não tinha condições de ir, uma pena, pois queria muito voltar àquele lugar, e pretendia até, muito pretenciosamente, subir os cem metros de altura pela escadaria lateral para tirar uma foto lá de cima, ficou só na vontade mesmo.

Vista da janela do Zeca (foto Zeca0
Atrás do Hotel de Las Nubes (foto Zeca)
Dissemos para o Zeca que se no dia seguinte ele não estivesse bem, não seguiríamos.
O André ressuscitado, conversou com a esposa dele bastante pelo telefone, e eu fui tentar dormir, o que de fato consegui.

Fim deste longo dia, que segundo alguns deveria ter sido o último!  Porém sensatamente nós sabíamos que no dia seguinte iríamos pela segunda vez enfrentar o maravilhoso Paso de Sico, a não ser que alguém acordasse muito mal.

Um comentário:

  1. nesse dia só lugares maravilhosos, as cores, acho isso incrível desde as primeiras fotos que vi na Rutas y Quebradas "1", realmente lindo!

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